O meu quarto em Montrouge
Museu do Traje, Lisboa, 1998
A frase inicial das Viagens da minha terra de Almeida Garret seduz-me porque implica a diversidade da ideia de viagem, incluindo ao interior de si próprio, certamente a mais importante, que tanto se pode efectuar numa casa como à volta do mundo.
Não fui até ao quintal. Viajei no meu quarto, para retomar o título de Xavier de Maistre, Voyage autour de ma chambre. A viagem começou e terminou com 16 Polaroïds com cetins amontoados sobre a minha cama, no meu quarto, em Montrouge, em 1997. Quatro séries (agradam-me as séries, que tenho efectuado nos retratos ou nos autoretratos), de quatro objectos ou cores diferentes: o encarnado do poder, do perigo, do sangue; o branco da pureza; o amarelo da transgressão, rompendo com a harmonia das outras cores. Interessa-me o quotidiano e tudo o que me rodeia: gosto de o transformar e exaltar. Neste caso preciso, debrucei-me sobre a roupa fora do seu contexto (o corpo), amachucada, moldada, pregueada, dilatada ou reduzida.
O traje, o objecto mais próximo do homem – a nossa segunda pele -, apresenta-se aqui como se o corpo ainda estivesse presente, o seu prolongamento. Love, ou No love last night, como diz Sophie Calles no seu admirável filme? O traje assim exposto assemelha-se a um corpo nu, torna-se vergonhoso. quando Adão e Eva transgrediram, ao saborear o fruto proibido quer dizer, tentando apropriar-se da ciência do bem e do mal e do poder de conhecer e julgar, “então abriram-se olhos aos dois e, reconhecendo que estavam nus, coseram folha de figueira umas às outras e colocaram-nas como se fossem cinturões, à volta dos rins” (Gn 3:7).